Revisada por:
Aurora Boreal 💫
Última Atualização: 31/03/2025
Ainda assim, sempre me fazia sentir bem. Segundo ele, eu era “a melhor coisa que já aconteceu em sua vida”. Éramos unidos e só precisávamos de nós mesmos.
Ainda assim, ambas são reconhecidas mundialmente por conta da educação. Saint Peter abriga o Instituto Rutherford para Garotos, que é caracterizada pela disciplina, rigidez e por formar alguns dos maiores líderes mundiais. Já Westville, é conhecida pela Academia de Artes de Westville, que é um colégio conhecido pela criatividade, originalidade e livre expressão, tendo formado grandes artistas.
Eu, no entanto, não tive a chance de estudar em nenhum desses. Na verdade, já me ofereceram uma bolsa para Rutherford, mas tive alguns problemas e não pude ir. Além do mais, não seria a mesma coisa sem o meu irmão, .
Estudamos em uma escola perto de nossa rua, que fica do lado oposto da localização da Academia. A Offshoot Road foi o início da cidade. Era onde ficavam as casas tombadas, velhas e elizabetanas que geralmente precisavam de reforma a cada cinco anos. A casa da família era uma dessas. Na verdade, seu primeiro dono foi um antepassado meu, que se chamava Diggory Davies. Alguém da família dele teve apenas meninas, e uma delas se casou com outro antepassado chamado Mitchell , que acabou dando origem ao meu atual sobrenome: David .
A família da minha mãe era de Cabo Verde. Eles são bem orgulhosos de sua história e, por isso, eu e todos os meus irmãos falamos português e cabo-verdiano também. Eles formavam a família Moniz, mas nós não usamos muito o sobrenome. Meus avôs se tornaram grandes amigos quando o meu avô materno, Diego Moniz, e sua família, migraram para a Escócia, de onde minha família paterna são. Assim, seus filhos também fizeram amizade. Minha mãe engravidou do primeiro filho aos 18, acidentalmente. Daí nasceu o meu irmão, Lucas. Dois anos depois, viemos eu e . E três anos mais tarde, minha irmã Kristen.
Eu tenho muita sorte no quesito família. Meus pais se amam muito, meus irmãos estão sempre presentes, vivem para encher meu saco. Moramos na Escócia até meus treze anos, quando viemos para cá. Eu, que tinha bem pouco, perdi tudo. Meus amigos, meus primos e meus avôs e avós viraram uma lembrança distante, que eu só podia recuperar uma vez ao ano, nas férias, quando voltávamos para casa.
Foi fácil para recomeçar. Ele é simpático e adorava conversar e fazer amigos. Já eu, estava sempre com raiva. Ele se tornou popular e eu, sua sombra. Vivi assim até a primavera do ano de 2024.
A Saint Elizabeth High School tinha um ótimo programa de intercâmbio. Dependendo das notas e históricos, eles davam uma bolsa de 100% para quem se inscrevesse. Naquele ano, tivemos uma boa notícia — teríamos duas intercambistas para o ano seguinte.
Dois dos meus melhores amigos, e Eddie, eram inscritos no programa como anfitriões. Eu estava ansioso: talvez aparecesse pessoas legais, com quem eu poderia fazer amizade. Soubemos um pouco antes das férias que seriam suas famílias que receberiam as garotas, e ficamos tão animados que decidimos comemorar.
O grupo era formado por eles dois, eu, minha prima Rebecca, com quem eu mais implicava, e Newton, seu namorado e meu melhor amigo. Eddie e eram chamados de “veteranos”. Conheciam-se desde que nasceram, e ambos possuíam dupla nacionalidade, sendo britânicos e brasileiros. Eddie era o mais velho, com dezoito anos, enquanto éramos um ano mais novos. Seus cabelos escuros e lisos costumavam ser cortados curtos e com as laterais raspadas. Tinha a pele marrom avermelhada, herança da família paterna, que era descendente dos Navajo, povo indígena norte-americano. Seus olhos eram pequenos e castanhos escuros, e ele era muito alto e musculoso. era seu melhor amigo, e eles estavam sempre juntos, fazendo alguma coisa idiota, mas muito divertida, que sempre acabava sendo algo incrível para mim e meu irmão.
Eu e AJ chegamos aqui com treze anos. De lá para cá, mudamos bastante, principalmente de aparência. Tínhamos poucas diferenças físicas, como o fato de que eu era ainda mais magro que AJ, e algumas características na arrumação de nossos cabelos. Eu também usava óculos, de armação fina e preta, e meu irmão, apesar de tão míope quanto eu, optava por lentes de contato.
Depois que nos mudamos, Rebecca acabou se aproximando do pequeno grupo. Ela, , e Eddie, contudo, eram a alma da festa, o que fazia com que eu e Newt nos sentíssemos deslocados. Eles dois tinham um namoro reservado e quase nunca falavam com as pessoas sobre sua relação, mas pareciam bem unidos. Eram melhores amigos acima de tudo e isso era algo que eu admirava. Becca se parecia comigo e , apesar da pele branca e dos cabelos avermelhados. Mesmo naturalmente ruiva, ela sempre matizava as madeixas com creme vermelho, para que fossem um destaque onde passasse. Era alta, curvilínea e tinha olhos grandes e claros, assim como os meus. Becca era incrivelmente estilosa e sabia se vestir como ninguém. Era o contrário de Newt, que era quieto e discreto: quem o conhecesse, o acharia arrogante por sua usual expressão aborrecida, mas ele era legal e gentil. Era loiro, com cabelos milimetricamente bagunçados semelhantes ao estilo das séries dos anos 2000, e sua pele pálida e levemente cadavérica, junto aos olhos pequenos, baixos e castanho escuros davam uma impressão que era completada pelo corpo esguio e as olheiras marcadas.
Normalmente nos reunimos na cafeteria perto da casa de Newton, que morava em um condomínio no centro da cidade. O nome do local era Cookies 'N Cream, e era uma empresa familiar, o que fazia com que o ambiente fosse caseiro e aconchegante. Naquela tarde, estávamos comemorando tanto a chegada das garotas, como o início das férias. Diferente dos outros anos, eu e permaneceríamos em Westville, e apenas nossos pais iriam viajar para cuidar de alguns detalhes da faculdade de Lucas. Sendo assim, nossa expectativa era ser babá de uma pirralha.
— Isso é uma pena, cara — Newt comenta, enquanto come um cookie de chocolate com M&Ms. — Ainda bem que sou irmão mais novo.
Dei de ombros, com a cabeça apoiada em uma das mãos.
— Ela é um porre. Não sei como vou aguentar.
— Bom, pode ser algo completamente diferente. Talvez não seja limitado só a cuidar da Kris — fala. Estava pensativo naquele dia, provavelmente analisando como usaria a palavra do dia em uma oração que não parecesse ensaiada. Ele tem isso, uma espécie de calendário com palavras difíceis para que pudesse aumentar o vocabulário, já que está sempre escrevendo ou compondo. De repente, sorri ladino, enquanto coloca um pedaço de torta de limão na boca. — Vai que as novatas finalmente tomem o seu coração, 2?
Reviro os olhos. Primeiro por conta do apelido, que me incomoda. era o 1, e eu o 2. Não porque ele fosse mais velho, nós não sabíamos quem havia nascido primeiro, mas sim, porque ele é mais legal.
Além disso, porque eu não tinha interesse nenhum em namorar ou mesmo me apaixonar. Não que eu seja amargurado ou tenha alguma espécie de trauma. Eu só não via necessidade, sentido, ou ainda não costumava me sentir atraído por ninguém.
— Ia ser uma boa — comenta, sorrindo. — Dezesseis anos na cara e nunca nem beijou.
— Ah, falem sério! — eu digo, vermelho. — Quanto ganham para cuidar da minha vida?
— Posso fazer isso de graça. É um prazer — Eddie responde, fazendo os outros rirem. — Mas se você não quiser ficar com ninguém, deixa que fico por você.
— Você fica com todo mundo! — Rebecca alfineta, e ele concorda, rindo.
Eu gostava desses momentos. Ficar com meus amigos, mesmo que fossem chatos de vez em quando, é o que me faz bem. Sentia-me amedrontado com a chegada de dois elementos estranhos, que poderiam alterar toda a nossa dinâmica.
Foi isso o que falei com Newt, no dia seguinte, enquanto andávamos de bicicleta pelo parque da cidade. Ele não pareceu concordar e, na verdade, revirou os olhos quando mencionei isso.
Talvez por sermos deixados de lado às vezes, nos tornamos melhores amigos e sempre estávamos juntos. Ele me contava tudo, seus problemas com o pai, a falta que sentia da mãe, que morreu quando era bem pequeno, e também sobre a relação com a madrasta, que ficara com sua guarda. Em troca, eu falava sobre minhas inseguranças e minha família. Felizmente com ele, era uma amizade de mão dupla.
— Acho que você tem medo, porque se sente substituível...
— Exatamente! — concordo, parando a bicicleta em frente a um grupo de crianças brincando. Elas parecem felizes e em harmonia, o que me fez pensar que talvez nunca fosse me sentir assim. — E se elas forem mais legais, a ponto de me ignorarem?
— Sabe que nunca faríamos isso. Nós adoramos você!
— Não, todos adoram o conjunto e — diz, suspirando tristemente.
— Eu não. E quer saber? Acho que tem medo de que venha alguém que também não pense assim. Alguém que te escolha.
— Eu não... — começo, mas ele logo me interrompe.
— Não digo no sentido romântico. Imagina uma pessoa que seja para você assim como o é para o Eddie? Ou como você é para o ? — Ele levanta uma sobrancelha, me fazendo refletir um pouco.
— Como assim? — pergunto, por fim.
— Alguém que te admire de verdade. Que faça você notar o quanto é bom e que te eleve.
Não disse mais nada, mantendo uma expressão emburrada. Ainda assim, continuei pensando sobre suas palavras durante o resto do dia, sem parar. Alguém que me eleve... E se acontecer mesmo? Como seria viver sem pensar que você não é uma metade, mas alguém inteiro e que vale a pena?
SEJAM BEM VINDAS
e
— Acha que exageramos? — diz Eddie, olhando para , que faz um não com a cabeça.— Está estupendo! — ele diz, fazendo um sinal positivo. Apesar disso, usava seus óculos escuros, que não tinham grau. Provavelmente não estava vendo nada. — 2, o que está escrito ali? — ele me pergunta, sussurrando. Eu rio baixinho e leio a frase. — Ah, então tudo bem.
não consegue resistir e começa a gargalhar audivelmente.
A faixa atravessava a rua, sendo amarrada entre o poste em frente à casa de Eddie e o que fica em frente à casa de . Ambos são vizinhos de frente, e a rua é um pouco estreita, mas ainda assim, a faixa ficou enorme. Não consigo rir, mas mantenho uma expressão confusa. Becca e Newt ainda não chegaram — foram comprar alguns lanches para comermos quando as garotas finalmente conhecessem a turma.
Sabemos seus nomes agora. e . me conta que, por foto, parece uma daquelas pinturas de rainhas inglesas. Eu apenas sorrio, esperando que ele não faça esse trocadilho com a esperança em conquistá-la, até porque a maioria das rainhas inglesas não eram tão bonitas assim.
— Seus pais já foram para o aeroporto? — pergunto para Eddie. O pai dele havia tirado uma folga, e sua mãe estava de férias, já que era professora em nossa escola. Ele faz que sim com a cabeça, olhando o celular rapidamente e confirmando que já saíram e estão a caminho de casa.
— Falta tão pouco! — exclama, tão animado que até mesmo dá alguns pulinhos de alegria. — Daqui a pouco vou conhecer a garota que vai dominar minha casa!
Eddie se aproxima de mim, olhando para com cara de quem vai rir a qualquer momento.
— Ele já fez toda uma história de amor na cabeça dele — comenta e eu sorrio, acenando em concordância. — Mas você não parece muito feliz…
Edward sabe ler pensamentos como ninguém. Não adianta mentir para ele, pois sempre descobre a verdade. Eu suspiro e digo que não é nada, mas ele insiste para que eu fale algo.
— Fico pensando que talvez elas mudem tudo, sabe? — falo, por fim. Ele para alguns segundos para pensar e depois dá de ombros.
— Apenas se permitirmos. Além disso, elas podem nos fazer mudar para melhor, certo?
Faço que sim, deixando ele me abraçar. Eddie é quase da minha altura, mas parece bem maior por conta dos músculos. Ele basicamente me envolve por completo e sinto que poderia sumir em seu abraço. Contudo, sou acordado de meus devaneios quando uma buzina se faz ouvir e todos nós olhamos para a direção do som.
O primeiro a sair é o pai de Edward, Jackson Stewart. Apesar de ser descendente indígena por parte de mãe, seu pai é branco, o que o fez ter um nome americano. Ele possui monoparesia em uma das pernas e anda com a ajuda de uma bengala. Por causa disso, dirige um carro específico, que conta com algumas adaptações, principalmente nos pedais, sendo substituídos por uma única alavanca que serve tanto como acelerador quanto como freio. É muito parecido com o filho, tendo o mesmo tom de pele, cor dos olhos e feições. Seus cabelos alcançam a nuca e contam com poucos fios brancos, mais por estresse que por velhice. É musculoso, mas não de uma maneira exagerada, parecendo por vezes menor que Eddie. O garoto vai até seu encontro e tenta ajudá-lo a sair do carro, mas ele apenas faz um movimento com a mão e sai sozinho.
"Eu vivi uma vida antes de você. Espero viver com você também". É o que sempre diz para Eddie sobre sua deficiência. Segundo ele, a monoparesia nunca o impediu de fazer as coisas que gosta e ele não pretende viver como um coitado. Sempre rio quando ele diz esse tipo de coisa, pois me lembra do meu próprio pai, que perdeu a perna direita em uma missão, quando ainda era do exército. Ambos são teimosos e seguros, tentando viver o máximo que podem.
Logo em seguida, a senhora Stewart sai do carro. Ela é uma mulher elegante e aparenta maturidade, apesar de ter pouco mais que quarenta anos. Seus cabelos castanhos escuros caem como uma cascata sobre os ombros de tom oliva e ela veste um terno feminino composto por um blazer e uma saia lápis, ambos de um tom de verde escuro. Possui olhos pequenos e castanhos e bochechas redondas e rosadas. Ela nos cumprimenta calorosamente antes de olhar a faixa que os garotos colocaram com certa curiosidade.
— O que está acontecendo aqui? — pergunta.
— É para que elas se sintam especiais! — explica, coçando a nuca.
— Como a padroeira de uma cidade? — ela continua, com um tom irônico, e eu e rimos baixo.
— Hm, tipo isso — Eddie fala, ainda próximo ao carro. Está abrindo a porta para as meninas e eu sinto minhas mãos suarem com o nervosismo. A primeira garota a sair é alta e usa uma camisa branca e um conjunto de moletom e calça. É muito bonita e logo os garotos a cercaram, perguntando seu nome. Ela sorri docemente, antes de responder: — Sou a ... — diz, timidamente.
— Achei que era uma rainha, mas a beleza é de deusa... — falou, segurando sua mão e a beijando. Não consigo segurar o riso, cobrindo a boca com a mão. Era o único que não rodeava o carro, mas ainda assim, não percebo quando alguém se aproxima de mim, carregando uma bolsa cor de rosa.
— Ele é sempre assim? Já vi que viver por aqui vai ser tão monótono quanto estar em casa. — Dei um pulo assustado quando a menina ao meu lado se pronunciou. Ela apareceu ao meu lado de repente, quase como... Um ninja? — Te assustei? Bem, me desculpe. — Ela sorri, pendendo a cabeça para o lado. — Meu nome é , e o seu?
A garota à minha frente usa um casaco grande e azul bebê, com uma camiseta amarela por baixo e calças jeans. Nos pés, botas com pompons na ponta do cadarço. Era um visual divertido, eu achei. Fez-me sorrir. Ela tinha também manchas cor de rosa no nariz e nas bochechas, assim como a cor de seus lábios, talvez pelo frio suave do fim do verão em agosto.
Elas haviam chegado durante o fim das férias, o que fez com que nossas férias fossem regadas a ansiedade e tensão. Pelo menos as minhas. Ainda assim, os olhos da menina me deixam curioso e, ao mesmo tempo, confortável. Era como se algo que eu esperasse por muito tempo tivesse acabado de chegar.
— E-eu... — Limpo a garganta. Ainda estou um pouco assustado pela chegada silenciosa dela e acabo gaguejando. — Sou o .
— Nome bonito... — ela elogia. — Tem algum apelido? Eu, por exemplo, gosto quando me chamam de .
— Bom, me chamam de ... — digo, pensando um pouco. É a minha chance de causar uma boa impressão e eu quero começar escondendo o fato de que me chamam de 2.
— ? — Ela gargalha. — De onde saiu isso?
— Do meu sobrenome — explico, e ela faz uma careta de compreensão. — É . .
— Ah... Então vou te chamar de . Posso? — ela pergunta, estendendo uma mão para que eu a cumprimente. Sorri, apertando-a.
— Combinado, . Mas vem cá, como chegou perto de mim sem que ninguém notasse?
— Tenho poder de invisibilidade. — Sorri, com ironia. — Quando minhas amigas estão por perto, chamam muita atenção. Eu sou... Menos bonita. Então acabo escondida. — Ela dá de ombro e me sinto mal por um instante. Sei como é se sentir inferior porque as pessoas não prestam atenção em você. Tento abrir a boca para dizer que a achei bonita, mas ela me interrompe antes que possa falar algo. — Nem pense em me elogiar. Não estou me fazendo de coitada, e sim, afirmando um fato.
— Como sabia que eu ia te elogiar? — Me inclino para frente, falando em tom de desafio. Ela ri, com sua natural aura de esperteza.
— As pessoas costumam ter pena quando alguém fala algo do tipo. Não percebem que é o que achamos de verdade, e não há palavra no mundo que faça isso mudar.
— Nós... Quem?
Ela sorri de lado.
— Desculpe, às vezes falo no plural por alguma razão... — Ambos rimos.
Contudo, nosso momento dura pouco e os outros finalmente percebem que estamos ali. Eddie é o primeiro a se aproximar, sorrindo.
— Você é a ! — ele exclama e a garota faz que sim com a cabeça. — Seja bem-vinda! Eu sou o Edward, mas pode me chamar de Eddie. Você vai ficar na minha casa.
— Ah, então você é o Eddie? — Ela arregala os olhos, estendendo a mão. Ele a cumprimenta. — É um prazer. Pode me pedir ajuda com o que quiser! Finja que estou aqui há tempos.
— Ei! — Ele ri, e eu me sinto um tanto de lado na conversa. Seriam quase irmãos a partir de agora e eu sabia que eles se dariam bem, pois Edward é gentil e calmo, sempre agindo de forma protetora. Todos gostavam dele quando o conheciam. — Essa fala é minha! Espero que goste de ter alguém para te encher o dia todo.
— Sempre quis um irmão mais velho. — sorri de lado e os dois riem, como se já compartilhassem uma piada interna.
A outra menina logo se aproximou, junto de e , que provavelmente disputavam sua atenção. Ainda assim, ela não parece se importar muito. Estava mais interessada em olhar a paisagem e captar cada detalhe, que em flertar com meus amigos. Seus olhos pareciam pesados, assim como os de . Foi observando isso que lembrei que um voo longo nem sempre é muito confortável.
— Vocês... — Pigarreei, limpando a garganta antes de continuar. — Precisam descansar, certo? Devem estar exaustas.
— Seria ótimo! — A mais alta fala. — Inclusive, sou a . Ainda não conheci você…
— Só o meu clone... — falei, rindo, e ela sorri de volta. — Sou o . — Aperto sua mão. — É bom conhecer você.
— Digo o mesmo!
— Pode chamá-la de — diz, novamente aparecendo ao meu lado e me fazendo tomar um susto. — Caraca, você tem um coração frágil, hein? Tome cuidado, se continuar se assustando assim, pode ter algum problema.
— Há, há. Hilário — Eu digo, revirando os olhos.
— é assim sempre — adiciona. — Ela implica com todo mundo…
A mais baixa apenas dá de ombros, sem tirar o sorriso do rosto.
— Sério? — se aproxima dela, com os olhos avelã brilhando de animação. — Eu também! Vamos implicar com as pessoas juntos! Vamos ser melhores amigos!
— Isso vai ser incrível! — dá um toque nas mãos do garoto, fazendo com que todos os olhassem com uma expressão confusa. já é um saco na maioria das vezes. Se ele se juntar com ela…
— Jesus, me salva... — Acabo pensando em voz alta, o que leva todos a darem altas gargalhadas. Vermelho, contribuo com um sorriso sem jeito.
Becca e Newt acabaram se atrasando um pouco. Segundo eles, o trânsito estava cheio entre seu condomínio e a Offshoot Road. Eles moravam no mesmo bloco do condomínio Jeremiah Cowen, nomeado a partir de um escritor de romances clássicos. Eles demoraram tanto que já haviam comido parte dos lanches, o que me deixou muito triste... Por sorte, e estavam tão cansadas que apenas se apresentaram. Em seguida, Eddie e as levaram para suas respectivas casas, onde caíram na cama, assim que entraram em seus quartos. Enquanto isso, eu, , Newt e Becca ficamos na sala de Edward, conversando sobre as primeiras impressões enquanto eu comia os chocolates da sacola trazida pelo casal.
— A é a mais alta — explicava, gesticulando para tentar ilustrar suas palavras. — Ela é incrível! É inteligente e bonita pra caramba... — dizia, enquanto eu revirava os olhos. Não era preciso muito para impressionar meu irmão. Talvez seu critério fosse apenas a pessoa ser capaz de respirar. — Não conversei muito com a . Mas ela parece ser bem legal, e paciente, já que ficou um tempão de conversinha com o . — Ele pisca para mim, fazendo Becca rir.
— Teve um crush nela, 2? — ela me pergunta, com um sorriso malicioso. Eu apenas faço que não com a cabeça, enquanto termino de mastigar meu Twix.
— Achei ela legal — falo, ao terminar, e logo os três se inclinam para perto de mim, com feições curiosas. — O quê? Ela só tem uma conversa fácil. Não é como se eu quisesse casar com a garota.
— Ainda, , ainda... — completa, me fazendo ficar emburrado enquanto riam da minha expressão.
— Merda — Eddie comentou, ranzinza. Ele não era o tipo de cara que adorava passar os dias em casa. — Pensei que iríamos até a orla...
— Do jeito que está engrossando, acho que o único mar que vamos visitar é o que vai bater na porta da sua casa, quando tudo alagar. — Newt riu da própria piada sem graça, ainda que nenhum de nós tivéssemos feito o mesmo. Rebecca deu-lhe um tapa no braço, fazendo-o perceber as caretas que Eddie e estavam lhe direcionando. — Ok, eu parei.
— E eu podia estar dormindo. — sacudiu a cabeça, como um cachorro tentando se livrar dos pêlos molhados. Eu ri. — Qual a sua, J2? Não tá puto porque acordamos você pra nada?
— Posso perdoar vocês se disserem que vamos acampar dentro de casa.
— Caralho, sim! — gritou. — Melhor ideia que eu já tive!
— Mas a ideia foi minha?
— Mas quem começou com os acampamentos internos fui eu! — Ele se levantou, pegando o controle da televisão e colocando no Youtube “vídeos de fogueira de acampamento”.
— Que porra... — Antes de completar sua dúvida claramente exposta na careta que fazia, Eddie se calou quando percebeu que descia as escadas.
parecia nem ter pensado no que vestiria. Sua beleza era natural, algo como se ela tivesse acordado e simplesmente decidido que brigaria com o Sol por seu brilho. As bochechas coradas, os cabelos loiros e um corpo que definitivamente faria qualquer um ter suas fantasias, tudo nos deixou um pouco embasbacados. Ela realmente era muito bonita.
É claro que eu concordava com isso, mas pela cara dos meus amigos, caso eu fosse tentar algo, teria competição demais. Isso fazia com que meu interesse voltasse à estaca zero — era impossível que ela parasse para olhar pra mim, principalmente quando e Eddie já se aproximavam dela ardilosamente. Me contentei com um sorriso de canto, que foi retribuído por um pequeno aceno.
— Você precisa de um babador.
— Dessa vez, você não me pegou. Eu já esperava por isso.
sorriu, vindo para a frente e sentando-se ao meu lado em um dos pufes da sala de Edward. Ela era bem diferente de , mas ainda tinha algo nela que iluminava o ambiente de uma forma distinta. Talvez fossem os olhos, pequenos, castanhos quase pretos, com um brilho brincalhão que me fez sorrir imediatamente, chamando-a mais para perto.
— Eca, claro que não! Vai que você me suje com sua babação.
— Ciúmes, senhorita ninja? — a provoquei, fazendo-a rir. Ela fez que não com a cabeça, e só então pude perceber que ela parecia uma boneca saída diretamente de Hi Hi Puffy Amy Yumi¹: Seus cabelos estavam presos em dois pequenos coques no alto da cabeça, presos por inúmeras presilhas em forma de estrelas. Ela usava um suéter cor de rosa, com uma saia rodada branca e uma meia-calça que parecia estruturada o suficiente para o frio que ela deveria estar sentindo. Sabia disso porque, mesmo que não usasse maquiagem, o rosto estava avermelhado, nas orelhas, na ponta do nariz e nos lábios rosados.
— O que é... — Parei, procurando o melhor jeito de descrevê-la. — Isso?
— O quê? — Apontei para ela, que deu um sorriso sapeca. — Ah, tudo isso? Eu sempre quis me vestir assim, mas a cidade onde eu moro é quente pra caramba.
— Ah... Achei... Legal. — Tentei procurar com os olhos, mas os meninos haviam saído com ela para algum lugar. Na sala, só estávamos eu, , Rebecca e Newton.
— Pode falar a verdade, vai. É super exagerado. — Ela sorriu, parecendo orgulhosa do próprio trabalho. Fiz o mesmo, voltando a olhar para a porta.
— Eles foram pegar alguma coisa — Becca explicou. — Pelo menos você estava concentrado em outra coisa. — Seus olhos se encontraram com os meus e ela apontou para com a cabeça.
— Ele ficou assustado com minha produção — ela brincou. Newt gargalhou, dizendo que tinha sido uma escolha curiosa mesmo.
— Eu gostei! — Becca falou. — É bem autêntico, e você tá bem bonita.
— Você achou? — ela respondeu, animada, e voltei a observá-la. Realmente, ela estava bonita. De um jeito meio patético, mas bonita. Combinava com ela.
— Achei, sim.
— Mas parece que você tá sentindo frio pra caralho — Newt completou, e a menina fez que sim com a cabeça.
— Eu estou. Minha cidade, nos dias frios, só chegava a uns 28°C.
— E isso é frio?
— Exatamente. Não é!
Newt sorriu de lado, com o entusiasmo de . Ela era tão animada que, de certa forma, me deixava sobrecarregado.
— Acho que vou ver se eles precisam de ajuda — avisei, me levantando e indo até a porta da cozinha, antes que alguém soltasse alguma piada. Talvez, o dia cinzento estivesse começando a fazer efeito no meu humor também.
POV
Droga.
A chuva continuava a cair, cada vez mais forte. Isso me fazia ter saudades de casa, ainda mais em momentos como aquele, nos quais me sentia completamente solitária. Que idiota. Eu não deveria precisar me mudar para outro país para saber que seria sempre ignorada daquela forma.
Talvez fosse por isso que insisti em ficar em uma casa separada de . Era uma oportunidade para que, pelo menos, uma parte das novas pessoas me conhecessem melhor. Talvez, se fossem obrigadas a conviver comigo, aprenderiam a me ver como alguém legal.
— Aí, Minnie Mouse? Tá ouvindo?
Virei a cabeça, levando um susto. Becca e Newt me olhavam com as sobrancelhas levantadas, o que foi engraçado. Até mesmo nas expressões faciais, eles eram muito parecidos, e eu achava aquilo um charme extra em seu relacionamento.
— Você tava sonhando acordada, gata. — Rebecca riu.
— Qual é? Pelo J2? Ninguém merece isso.
— Ele não é, tipo, seu melhor amigo ou algo assim?
— Por isso mesmo estou dizendo que ninguém merece. — O loiro deu de ombros, tomando um gole da água com gás que trazia consigo. — Você é gatinha, Minnie Mouse. Só precisa se dar conta, né?
Olhei para o chão, tentando sorrir e, ao mesmo tempo, não. Um garoto me achava gatinha — ok! Um garoto que tinha namorada me achava gatinha — estranho!
Rebecca bufou, olhando para o relógio.
— Eu concordo, . Não se deixa abater, esse bando de urubus só está encantado. Daqui a pouco, eles voltam ao normal e percebem que você também existe. — Ela se virou para Newt, balançando o pulso com o objeto de tela vibrante. — Eu preciso ir! A Kat não sabe esperar!
— E o que eu posso fazer? Tá um toró lá fora!
— Se você tivesse aprendido a dirigir...
— Ia continuar preso na chuva. — Ele deu um sorriso convencido e ela se virou para mim, revirando os olhos.
— Não aguento, . — Acho que ela percebeu que eu não estava acompanhando sua linha de raciocínio quando sorri sem graça. — Eu ia pra um encontro agora. Com uma garota da escola.
— Com A garota da escola. — Newt revirou os olhos sorrindo, e eu fiquei ainda mais confusa.
— Pensei que vocês namoravam... Não?
— Mais ou menos isso. — Rebecca sorriu. — É mais um acordo que um namoro. Tipo relacionamento aberto, mas não especificamente existe um relacionamento. Só fingimos que sim porque é complicado explicar.
— Escuta, Minnie Mouse, tem gente que tem a cabeça um pouco fechada. — Ele pegou novamente a garrafa de água, tampando-a firmemente. Em seguida, começou a chacoalhá-la, olhando para nós duas. — Quando tem movimento demais... — Ele soltou o objeto na mesa, abrindo devagar. Ao mesmo tempo, o gás pressionado começou a escapar, fazendo a garrafa transbordar, ainda que não estivesse completamente cheia. — Eles explodem. E cara, eu adoro água com gás. É bem mais útil que água normal.
— Essa foi a primeira vez que você usou isso — Rebecca reclamou.
— E eu acho que não tem o mesmo efeito que água normal não... Você devia ter que beber água normal também.
— Será? Nunca saberemos.
— Eu entendi sobre o acordo, mas por que exatamente vocês me contaram? Eu podia ser uma dessas pessoas de mente explosiva — perguntei, confusa. A vida amorosa deles não era bem algo em que eu estava explicitamente curiosa.
Eles se entreolharam antes de responder.
— A gente te achou bonita — Rebecca explicou, como se fosse extremamente óbvio. Contudo, demorou um pouco pra entender que era como uma cantada. Arregalei os olhos em sua direção, rindo. Eles sorriram também, mas não pareciam estar brincando. Eu senti o riso murchar enquanto minhas bochechas ardiam — era sério? Uau. Eu retiro o que eu disse sobre aqui ser igual à minha casa.
— Bom, se quiser um dia, a gente podia ficar — Newt terminou, pendurando as pernas no sofá, ficando relaxado como se nunca tivesse saído daquele lugar. Acho que era inteligente — fingir que a conversa nunca havia acontecido, pelo menos para os de fora.
— Ou a gente. Se você gostar de garotas, sabe? — Rebecca deu uma piscadela e eu senti o rubor subir até minhas orelhas.
Eu não os tinha percebido até aquele momento. Parei para observar a garota, com os cabelos ruivos avermelhados batendo no ombro, em suaves ondas. Eu me sentia atraída por garotas sim, mas nunca havia ficado com uma. Na verdade, nunca havia ficado com garotos também, então eu era o maior desastre pansexual que eu conhecia. Ainda assim, ela era muito, muito bonita. Virei os olhos para Newton, que continuava deitado no sofá. Se seu rosto o fazia parecer um modelo, o corpo não ficava para trás.
Observá-los daquele jeito me parecia estranho, não pelo que me contaram, mas por algum tipo de conflito interno que eu não sabia reconhecer. Ainda assim, senti um arrepio, e fechei ainda mais as pernas em reflexo. Rebecca pareceu estar distraída, mas notei que Newton havia percebido, e baixei a cabeça.
Ele apenas sorriu, mordendo o lábio inferior, e me fazendo ficar ainda mais extasiada.
*1: Série de desenho animado japonesa, baseada na vida e nas aventuras de duas garotas que possuem uma banda de JPop. O desenho é conhecido pelas cores extremamente vibrantes e o visual inspirado em chibi/ super deformation/ SD. A personagem Amy, de cabelo cor de rosa, é retratada com cabelos semipresos em dois coques no alto da cabeça, semelhante ao cabelo da protagonista.
A casa de Eddie, de vez em quando, parecia um verdadeiro labirinto. Era uma casa grande, como todas da Offshoot Road, aliás, e se tornava ainda maior porque eles mantinham a estrutura antiga. Não era como a minha, que ficava na outra esquina, e de cuja lateral reformamos para transformar uma parte em uma garagem maior. Boa parte do local se foi com a reforma, mas a grande maioria das casas tinham ajustes como aqueles. Já a dos Stewart era grande, dividida em diversos quartos e salas cada vez menores.
Isso significa que demorei mais tempo do que gostaria para achar onde os imbecis estavam se escondendo com a novata: numa despensa, quase perto do grande quintal. Me perguntava porque havia tanto terreno livre se eles passavam grande parte do tempo fora de casa, apesar de saber que não era muito da minha conta. Quanto mais eu chegava perto, mais podia ouvir a risada escandalosa do meu irmão.
Óbvio demais, .
Bati na porta, devagar, entrando em seguida. estava cercada entre , Eddie e , cada um tentando impressioná-la ao seu modo. Eu não pude evitar uma careta quando vi a cena, que foi retribuída por ela assim que seus olhos focaram nos meus.
— Ah, é o . O que veio fazer? — Eddie me perguntou, com o sorriso mais falso que já havia visto.
— Procurar vocês? Deixaram a gente sem nada lá na sala, olhando uma fogueira imaginária na TV.
— tem razão — comentou, se desvencilhando do cerco e indo até a porta. — Precisamos ir. Os outros devem estar preocupados.
e Eddie se entreolharam, duvidando da afirmação da garota. Eu também sabia que, por preocupação, ninguém estava ligando. Newt e Becca deveriam estar ocupados demais juntos, e ...
Céus, ! Eu havia esquecido completamente dela!
— Pelo menos, eu sei que a está — complementou o que eu estava pensando. — Ela acabou de me mandar uma mensagem. Eu levo as sacolas com os lanches, podem trazer os jogos?
Ouvi alguns murmúrios contrariados, enquanto saí na frente, explicando que tinha esquecido algo. Ou alguém, no caso.
— Hey! — falei, assim que cheguei de volta na sala de estar. — Aí está você, !
Ela me olhou com uma expressão entediada, acompanhada pelo balanço negativo de cabeça de Newton e Rebecca.
— Eu sei. Fiz errado.
— Eu não diria errado. — Newton deu de ombros. — Só não foi sua melhor tacada.
— Eu imagino. Se eu acho irritante passar alguns minutos com vocês, quem dirá a coitada da novata — eu disse, indo até , e me sentando ao lado dela. Ela se encolheu mais no sofá, tentando esconder um sorriso, o que achei um tanto desconcertante. Era por minha causa?
— Não foi tão ruim. Eles são legais — ela disse, o que me fez duvidar seriamente da nossa quase amizade.
— Chegamos! — apareceu, sorrindo e carregando algumas sacolas. — Você vai surtar, ! Eles tinham marshmallow! A gente pode colocar no fogão pra esquentar!
— Tem chocolate também, galera. — veio com outra sacola, desta vez, com barras de chocolate e salgadinhos.
— Credo. De onde saiu tanto doce? — perguntei, sentindo um gosto amargo na boca. Era tanta coisa que ia ficar enjoativo em pouco tempo. Eddie nem sequer podia comer doces, pra quê tanta coisa do tipo em casa?
— Eu adorei! — sorriu, com os olhos brilhando em excitação. — , você é meu favorito agora!
— Agora? E quem era antes?
Olhei de soslaio para a garota, que permaneceu quieta, observando o que havia entre as sacolas. Por dentro, queria que ela dissesse que era eu.
Smores.
Doce americano de acampamento.
Ew.
Como alguém poderia aguentar mais do que duas porções disso? Eu peguei uma só e já não suportava mais. Era uma gosma de marshmellow aquecida entre chocolates e biscoitos doces. Açúcar demais para uma pessoa só. Ainda assim, meus amigos estavam quase acabando a travessa que havia sido montada por , e , enquanto eu estava sentado de cabeça para baixo na poltrona macia que pertencia ao pai de Eddie.
— Onde seus pais estão mesmo? — perguntei ao garoto ao meu lado.
— Ficaram presos fora de Rockall. Com a chuva, vão ficar no continente por um tempo. — Ele deu de ombros, sorrindo. Em outros momentos, ele aproveitava para fazer algo mais interessante do que comer doces na frente de uma fogueira de vídeo do Youtube na televisão. Mas naquele dia, se os pais estavam presos, nós estávamos em uma situação parecida.
— Continente? A Grã-Bretanha não é uma ilha também? — perguntou, se aproximando e sentando-se ao lado de Eddie.
— Bem, é maior que a nossa.
— É justo. — Ela deu de ombros. Não sabia se ela estava evitando falar comigo ou se apenas não tinha assunto. Talvez tivesse ficado chateada porque deixei ela de lado, mais cedo. Contudo, desde que cheguei com o pessoal, ela não havia trocado uma palavra sequer comigo.
Que seja. Eu não daria o braço a torcer. Alguma hora, ela falaria primeiro.
— Rebecca... — Ou talvez não. — E sobre aquela coisa? Conseguiu remarcar?
Becca estava sentada, ao lado da televisão. Se fosse uma fogueira de verdade, a impressão era de que ela estava prestes a se jogar nas chamas. Estava chateada, era óbvio, mas eu não sabia exatamente com o quê.
Mas sabia, pelo que disse. Bastou alguns minutos com outras pessoas e ela já estava toda amiguinha com a minha prima.
— Hm? Eu não sei. Ela ainda não respondeu.
— Ela não é cega — Newton comentou, jogando um guardanapo em forma de bolinha para a namorada, que segurou o objeto no ar. — Deve estar vendo a chuva. Vai entender, relaxa.
— É, pode ser.
— De qualquer forma, pelo menos você está com as melhores companhias do mundo! — sorriu, abrindo os braços como se estivesse dando um abraço distante, o que me fez sorrir com sua animação.
Ela tinha um jeito só dela, isso eu podia dizer. Apesar de às vezes me irritar um pouco com tanta positividade, tinha um brilho próprio. Era diferente, porém, da atração que eu tinha que admitir que sentia por . Eu gostava de ficar perto, mas não sabia conversar com ela, ou me conectar de alguma forma. Ela era algo distante pra mim, como se fosse o sol, e eu a lua: próximo o suficiente para ser iluminado, mas sem nunca ter um contato de verdade.
Já , era como a Terra. Ela tinha uma espécie de força pessoal que me era irresistível. Eu queria ficar perto, queria conversar com ela, queria estar com ela. Mas não sentia atração por ela, ainda que fosse muito bonita também.
Apesar disso, era que eu observava de canto do olho, enquanto ela ia para longe de mim e se aproximava de Rebecca. Era dela que eu sentia falta por perceber que havia cometido um erro em ignorá-la mais cedo.
E, mais tarde, quando limpamos a cozinha, a sala e espalhamos cobertores no chão para cochilarmos, enquanto a chuva, cada vez mais forte, caía lá fora, foi que adentrou meus pensamentos antes de dormir. E foi com ela que eu sonhei enquanto as conversas ficavam mais longes e as vozes, mais baixas.
— ? — Ouvi sua voz, macia e reconfortante, sendo sussurrada contra meu ouvido. Ainda sem abrir os olhos, me mexi contra o corpo de , que parecia estar deitada por cima de mim. Suspirei, sorrindo ao deixar que uma das minhas mãos descessem sobre suas costas, acariciando a pele quente até chegar na cintura dela. Murmurei, um tanto confuso, mas ainda assim gostando da proximidade. — Está tudo bem?
— Claro que está... — Ela ameaçou levantar, mas a puxei para mim, fazendo-a deitar ao meu lado. — Está tudo exatamente como deveria estar.
tocou meu rosto, afastando as mechas de cabelo que caiam bagunçadas. A sensação era muito boa — aliás, parecia certa. Me inclinei, fazendo nossos narizes se tocarem, depois os lábios, me deixando envolver pelo toque da garota, que se separou rapidamente.
— Qual o problema, ? — perguntei, preocupado. Ela levantou repentinamente, e eu fiz o mesmo, finalmente me dando conta de onde estávamos. Era a minha casa, o meu quarto, e estávamos deitados no pequeno divã que ficava próximo à janela. As estrelas brilhavam com mais intensidade, mas eu estava mais preocupado em abraçar , ao meu lado.
— Tempo. Nós não temos tempo, . — Ela olhou para mim, e meu coração deu um aperto no peito. — Eu não sou para sempre. Acorda, ! Você está ficando sem tempo!
Acordei em um sobressalto, passando a mão pela testa suada. Estava tudo bem. Eu ainda estava na casa de Eddie, e a chuva começava a diminuir. dormia bem longe de mim: estava em seu quarto, junto com Rebecca e . Não aconteceu de verdade. Foi só um sonho.
Ainda assim, o toque de seus lábios nos meus permanecia ali.
Respirei fundo, mordendo a bochecha, e tentando ignorar o fato de que meu coração batia forte demais. Todos estavam dormindo, e ainda estava tudo bem.
Eu estava bem.
E eu tinha tempo, não é? Tinha todo o tempo que precisasse. Aquela parte do sonho pareceu um aviso bizarro, mas não fazia sentido. Mas ainda assim, me perguntei sobre o que ela estaria falando, assim que me deitei novamente e deixei que o sono me embalasse mais uma vez.
Abri os olhos em sobressalto, com parte do rosto doendo. Legal. Além de um sonho bizarro, a noite ainda me reservou um tapa... Que ótimo.
Para piorar, ouvi alguém tentando cobrir o riso, ainda que não tivesse muito sucesso nisso.
— Porra, cara... — Eddie se esforçava para não fazer barulho, enquanto a luz do celular iluminava seu rosto. — Essas coisas tinham que acontecer com você!
— É, pois é… — Levantei o corpo, ficando sentado no colchão. – Ainda acordado?
Ele deu de ombros, não parecendo querer falar sobre o que quer que o mantinha desperto. Eu apenas sorri, tentando passar uma segurança que não sabia se tinha.
— Tá vermelho? — perguntei, apontando para meu rosto.
— Não. Quer dizer, mais ou menos... Foi um belo tapa.
— Ele é maluco. Quando a gente era criança, tipo, uns 5 ou 6 anos, ele acordava de noite me chutando e eu vivia roxo.
Dessa vez, Eddie quase engasgou com a própria risada. Eu ri de volta, porque a risada dele era alta e espalhafatosa e todo mundo ria junto. Contudo, não foi o suficiente para acordar Newton e , e meu irmão apenas chutou o ar com seus golpes inconscientes. Isso foi o suficiente para rirmos novamente.
— Tá com fome? Tem bastante coisa na geladeira.
— Sempre! — Nós dois nos esgueiramos entre os colchões espalhados: O de Eddie estava perto da falsa lareira, que desta vez estava desligada. O meu e de ficaram no meio da sala, enquanto Newt pegou um sofá e , o outro. Foi difícil continuar firmes enquanto tentávamos não rir da situação caótica, mas enfim, passamos para o outro cômodo.
— Ei... — Fiz uma careta pensativa enquanto Eddie e eu nos sentávamos à mesa. — A falou com você... Tipo, sobre mim?
Edward apenas levantou os olhos, curioso.
— Ela fala muita coisa sobre muita gente.
— Eu sei, mas tipo... Sobre hoje.
— Quer dizer quando você a deixou falando sozinha na sala pra ir atrás da melhor amiga dela?
— Falando assim, soa pior do que realmente aconteceu.
— Talvez. Mas quem me disse foi a Becca, não a . — Ele deu de ombros. — Cara, vou te dar uma dica. Às vezes, as garotas fazem parecer que você importa pra elas, mas elas não dão a mínima.
Fiquei em silêncio: parecia mais uma espécie de raiva internalizada, e não algo que faria. Mas eu sequer a conhecia, então talvez ela realmente não estivesse tão preocupada comigo.
— Olha, a Becca ficou puta com você.
— Normal. Ela sempre arranja motivo pra estar puta comigo. — Rebecca era minha prima, afinal. E pior: minha prima mais nova, que sempre era comparada comigo. Se eu odiava a forma como me tratavam em relação a , ela odiava quando faziam o mesmo em relação a mim. Não conseguimos melhorar essas questões ainda. Então o resultado era ela sempre magoada com as coisas idiotas que eu fazia.
Em defesa dela, não eram poucas.
— Ok, mas dessa vez ela ficou puta com razão.
— Isso é normal também.
— Vai se lascar, então. Sabe que fez errado, quer saber o quê agora?
Respirei fundo, antes de responder:
— Quero saber como compensar.
— Ah... — Ele pegou uma maçã da cesta de frutas e mordeu um pedaço. – Isso aí, meu amigo... Só a própria pra saber.
— , espera... — Afastei meu rosto do da garota, sentindo meus lábios tocando os seus. estava sentada ao meu lado, com as pernas no meu colo e os braços ao redor do meu pescoço. Queria me perguntar quando eu havia chegado ali, eu sentia isso, mas minhas mãos passeavam sobre as coxas da garota, a fazendo suspirar, e eu me deixei parar de pensar um pouco.
— Eu estou fazendo algo errado? — ela perguntou, me puxando para mais perto, inclinando-se sobre o sofá.
Acho que sim. Talvez?
— Não, está tudo bem. — Sorri, me deitando por cima dela, que abraçou minha cintura com as pernas. Deixei que ela me beijasse, sentindo a boca carnuda contra a minha, o que me deixou ainda mais excitado. Aproveitei para aprofundar o beijo, o que a fez soltar um pequeno gemido. A língua de tinha um gosto doce, e tudo parecia se encaixar tão perfeitamente, que mesmo se eu soubesse que aquilo era falso, eu estaria disposto a arriscar minha sanidade.
Ela se moveu contra mim e senti nossos corpos lutando por cada vez menos espaço entre nós. Porra, eu queria mesmo acabar com aquilo, parecia uma tortura não estar dentro dela, que deixava tudo cada vez mais quente enquanto se movia contra mim.
Ela se afastou, deixando as pontas dos narizes se tocando, as testas suadas coladas uma na outra.
— Eu posso? — Suspirei, e ela fez que sim com a cabeça, provavelmente esperando isso mais do que eu.
Tirei sua calcinha, me desfazendo também da minha boxer e me deixando pressionar sua entrada.
Eu senti que estava prestes a acordar, mas naquele segundo, a única coisa que importava era o quanto eu me encaixava tão bem nela, o quanto ela era quente, e macia...
E minha. Ela era minha.
— Se eu fosse você, eu ia resolver isso antes que os outros acordassem. — A voz dela foi a primeira coisa que eu ouvi pela manhã. Esfreguei os olhos, ainda tonto pelo sono e pelo sonho que havia tido.
Passei algum tempo conversando com Eddie ontem. Depois, lembro de ter voltado para o colchão e deixado ele com o acompanhante secreto com quem ele estava trocando mensagens no celular.
E aí, eu tive um sonho meio estranho com...
— Putz, ? — Mas que porcaria de peça era essa, consciência? — O que tá fazendo aqui?
Quando consegui abrir os olhos, percebi que ela estava ajoelhada próxima à minha cama. Seu rosto era tudo o que eu via, próximo, com um olhar traquina e um sorriso preso no canto dos lábios. Estiquei o dedo, tocando em sua bochecha.
Caralho. Era ela mesmo.
De verdade.
E eu estava ali, com o pau duro por causa dela.
E ela não devia saber disso.
— Bom dia, belo adormecido! Desculpa te acordar, mas seu amiguinho aí tá bem... notável. — Ela riu. — Você tem alguns minutos antes de o Eddie acordar todo mundo pra tomar café.
— Hã, valeu. — Peguei a almofada que ela me entregou e me levantei correndo, tentando cobrir a situação, esperando que isso a tornasse menos constrangedora. Mas não tinha como melhorar a vergonha estampada na minha expressão, — Eu vou...
— É, vai lá. — Ela riu, fechando os olhos e virando para o outro lado.
POV
Céus, a ideia de acordar Malcolm saiu bem mais hilária que a encomenda.
Fui a primeira a acordar no meu quarto. Tinha energia demais para ser contaminada pela diferença de fusos horários, então meu corpo apenas despertava cedo o bastante para curtir o dia.
Eu nunca tinha ido a uma festa do pijama, que foi o mais próximo do que aconteceu naquela noite. Ficamos as três fofocando, rindo e falando das primeiras impressões. Principalmente , que estava um tanto assustada por morar na casa de um garoto.
era parecido com alguém que fazia bullying com ela no primeiro colégio que ela frequentou, quando ainda nem sequer nos conhecíamos. Ela ficou um pouco desapontada no começo, mas ao menos o garoto estava tentando ao máximo ser um cara legal. Comentei que eu o achava engraçado, o que provavelmente contava com uma revelação de torcida, porque eu sabia que sempre era pega pelos engraçadinhos.
— Tem também — Becca comentou, com um sorriso travesso.
— Nossa, sim.
— Nossa, claro que sim! — falou, um pouco mais alto, e nós três rimos juntas. — Ele é muito gato.
— Tipo, de verdade... — assumi. Acho que agora eu poderia dizer qual era meu tipo: . O cara era muito bonito, mas sequer fazia esforço. Quer dizer, suas roupas eram muito legais e seu corte de cabelo da moda também ajudava, mas a personalidade o fazia ser o garoto mais encantador do mundo: era sorridente, engraçado, animado e um ótimo ouvinte. Descobri isso porque ele pediu meu número no primeiro dia e, desde então, parava para conversar comigo sempre.
E ele falava português! De Cabo Verde, mas era português! Aparentemente, a família da mãe deles vinha de lá e ele achava a língua muito interessante.
— Ih, pelo jeito não é uma opção pra mim? — provocou. Ela não costumava ficar com garotos que eu achava atraentes, o que pra mim era uma grande besteira. Por isso, nunca contava quando e se gostava de alguém.
— Nem vem. Ele é legal, mas obviamente está interessado em você. O irmão dele também.
Ela e Becca se entreolharam, rindo.
— Qual o problema?
— Ok, entendemos que você quer um dos dois — Rebecca comentou.
— Não. Não mesmo.
— Tá com ciúmes, ? — se aproximou, mas sem maldade em sua pergunta.
— Gente... Mesmo que eu tivesse interesse, todos os garotos gostaram de você, . — Dei de ombros, levemente irritada com minha constatação. — Eu que não me meto nisso.
— Ok, mas no quê? Eu nem gostei tanto assim deles.
— Que seja. Não vim aqui pra namorar nem nada. Só quero fazer amigos.
Becca sorriu tristemente para mim. Apenas balancei a cabeça em negativa, como resposta.
Depois disso, mudamos de assunto. Sei que ficamos acordadas por pouco tempo depois disso. Não tive nenhum sonho durante à noite, e agradeci, porque ao menos também não tive pesadelos.
De manhã, desci para ver se alguém estava acordado. Apenas Edward estava e ele me chamou até a cozinha para preparar o café. Ficamos conversando por algum tempo e eu fiz o café, enquanto ele decidiu ir até a padaria, comprar alguma coisa para comermos.
— Quer vir?
— Não, valeu. Posso ficar aqui vigiando?
— À vontade, general. — Eu ri. — Inclusive, se você puder, quero que me ajude numa coisa.
— Claro.
Ele me levou até a porta, de onde dava para ver os meninos dormindo. Newt dormia quieto, com a cabeça caída fora do sofá, o que me fez rir. estava todo encolhido, e dormia sem camisa.
Senti um rubor nas bochechas, mas tentei ignorar. Depois, meu olhar foi até , que dormia tranquilo, com um rosto tão angelical que dava até pena em acordar.
— Você percebeu?
— O quê?
Eddie apontou para Malcolm. Fiquei analisando por alguns segundos, sem entender. Até que eu vi o relevo causado por certo volume no lençol.
Olhei para Eddie, cobrindo a boca aberta ao compreender o que ele estava querendo dizer.
— Ele é meio tapado, mas alguém precisa acordar isso antes que os caras o acordem e zoem por toda a eternidade.
— E eu tenho que fazer isso?
— Ué? — Ele sorriu, como se estivéssemos compartilhando um segredo. — Você que é a general por aqui.
— É, tem razão. Deixa comigo.